ABUSO POLICIAL - SENTENÇA CONDENATÓRIA NA INTEGRA

Idealismo... um dos principios da advocacia. Segue abaixo sentença exarada em processo por nós patrocionado onde fora reconhecido, com confirmação de segunda instância, o dever do estado em indenizar cidadão agredido por Policial Militar no exercício de suas funções. A sentença é transcrita exatamente como se extrai do processo, haja visto a publicidade do mesmo e desnecessidade de preservação de identidades. Reste claro que, quem foi condenando foi um agente estatal e não um órgão, não podendo ser confrontada a atitude do agente com a grandiosidade e dignidade da corporação que é a Policia Militar do Estado de São Paulo, órgão este que, em momento algum no transcorrer do feito ou após o mesmo, deixou de apurar as responsabilidades do policial autor dos fatos, e principalmente, cuidar pela integridade da vitima, atendendo-a com solicitude sempre quando fora necessário.

Processo CÍVEL
Comarca/FórumFórum de Guaíra
Processo Nº 210.01.2006.000167-0
Cartório/VaraVara Única
CompetênciaCível
Nº de Ordem/Controle205/2006
GrupoCível
AçãoIndenização (Ordinária)
Tipo de DistribuiçãoLivre
Distribuído em18/01/2006 às 16h 21m 08s
MoedaReal
Valor da Causa1.000,00
Qtde. Autor(s)1
Qtde. Réu(s)1
PARTE(S) DO PROCESSO

Requerido FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Requerente REGINALDO DE ALMEIDA BONETE -Advogado: 230281/SP RAFAEL AUGUSTO GASPARINO RIBEIRO

Processo nº 205/06 1ª Vara Judicial da Comarca de Guaíra Vistos. I. REGINALDO DE ALMEIDA BONETE ajuizou ação de indenização contra FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, destacando que nos dias 14 e 15 de outubro de 2005, estava a trabalho em um caminhão de sua propriedade, a serviço do Clube Maracá quando, naqueles arredores, fora ridicularizado pelo agente público Fernando Silvio Dias (Policial Militar) que, valendo-se da prerrogativa de seu cargo, o abordou e atingiu sua integridade física e moral, em plena via pública. Afirmou que, ao tentar procurar ajuda logo após o ocorrido, fora abordado novamente por Fernando e outros policiais que o acompanhavam, sendo então algemado e levado à delegacia de polícia, assim como teve guinchado seu veículo. Não bastando, o boletim de ocorrência fora relatado de acordo com os dizeres de Fernando, motivo porque ajuizou ação penal e reclamação administrativa junto à Corregedoria da Policia Militar do Estado de São Paulo. Requereu a condenação da Requerida por danos morais (fls. 02/13). Juntou documentos (fls. 14/49). Em sua contestação (fls. 52/53), a Requerida contrapôs os fatos narrados na inicial, afirmando que o policial estava apenas desempenhando sua função e que os excessos narrados não existiram, sendo que devido a isso, requereu a improcedência da ação. No mais, alegou que o quantum indenizatório é desproporcional à realidade fática, bem como a vivenciada pelo Requerente, pugnando por sua redução. Réplica em fls. 64/66, reiterando os termos da inicial e rechaçando a defesa ofertada. Saneador em fls. 68. Durante a instrução, foram colhidos os depoimentos de três testemunhas arrolados pelo Requerente (fls. 74/84), uma pelo Requerido (fls. 85/88) e uma testemunha do Juízo (fls. 283/286). Devidamente intimados para apresentação de memoriais, as partes deixaram o prazo transcorrer in albis (fls. 289). É o relatório. II. Fundamento e DECIDO. A ação é procedente. Como se sabe, a Requerida possui responsabilidade objetiva, à luz do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal e do artigo 43 do Código Civil, respondendo, desta forma, pelos danos causados a terceiros, independentemente da existência de dolo ou culpa. No caso em tela, é fato incontroverso ter sido o Requerente abordado por Policiais Militares, dentre eles Fernando Silvio Dias. Muito embora a Requerida negue a existência de agressões, impossível não se vislumbrar o excesso em sua abordagem, que culminou em violação a direitos da personalidade do Autor. Muito embora arquivado o inquérito policial contra o Policial Fernando Silvio Dias (fls. 188/254v), tal fato não serve de base para impedir o conhecimento da ação, porquanto entendeu-se, à época, inexistência de provas aptas a sustentar ação penal. Esse fundamento, como se sabe, não veda a responsabilização civil, uma vez não afastada a hipótese de agressão. No mais, tanto o inquérito policial e o inquérito policial militar foram realizados à mingua contraditório, sem possibilidade de participação do Requerente em seus atos, motivo porque não podem ser considerados para afastar a pretensão. A testemunha do Autor, Josiani Bagatini Gomes de Souza, aduziu que estava parada em um estabelecimento localizado defronte ao Clube, chegando algumas viaturas ali, instante que o policial Dias pegou seus documentos e lançou na calçada, o empurrou, deu-lhe um chute e um tapa no rosto, o obrigando a se xingar de vagabundo, o que foi feito. Ressalta, no mais, que os demais policiais viram o fato e nada fizeram para coibir as agressões e que isso se desenrolou por cerce da 40 minutos (fls. 74/77). No mesmo sentido, o depoimento de Marcelo Aparecido Elias, que destacou terem os policiais chegado ao local, em três viaturas, instante que o policial militar Dias foi logo xingando e agredindo o Autor, com dois tapas no rosto, pegou seu documento o arremessou na rua. Afirmou que o Autor em nenhum momento esboçou qualquer reação (até mesmo pelo número de policiais em sua volta) e que o fato durou mais de meia hora (fls. 78/81). Por sua vez, Willian Pereira, ouvido a fls. 82/84, ressaltou que estava parado no local quando o Autor foi abordado por policiais, ocasião que o policial Dias lhe desferiu tapas e chutes, o xingando de vagabundo, pegou sua documentação e jogou fora. Durante as agressões, o Autor não ofertou reação. Talita Costa da Silva, testemunha da Requerida, ouvida a fls. 85/88, afirmou que no dia passava pelo local, viu a viatura policial impedindo o trânsito e que o Acusado teria desrespeitado a ordem de desvio, sendo que os policiais Dias e Rossi foram até ele, mas não soube o teor da conversa e nada tendo presenciado a respeito. Por fim, o policial militar Fernando Sílvio Dias ressaltou que patrulhava o local, tendo parado sua viatura para desviar o trânsito, ocasião que o Autor pretendeu transpor o obstáculo. Diante de sua negativa, passou a ser agredido pelo Requerente. Posteriormente, pôde abordá-lo, mas nunca investir contra ele (fls. 283/286). Assim, como salientado, dúvida alguma existe sobre as agressões sofridas pelo Autor, praticadas pelo policial Dias, consistente em chutes, tapas e xingamentos, além de lançar os documentos do Autor, em visando diminuí-lo. No mais, pecou o Estado na conduta omissa dos demais policiais militares (integrantes de três viaturas, que compareceram ao local), uma vez que assistiram os atos de violência e nada fizeram para conter o abuso. Tanto pelo ato omissivo quanto pelo comissivo, surge o dever de reparação do Estado. É se de destacar que eventual desacato inicialmente praticado pelo Autor, contra o policial Dias (ainda que não comprovado), jamais permitiria que o agente estatal descumprisse o ordenamento jurídico, extrapolasse sua função e passasse a agredir verbal e fisicamente o Autor e, de igual modo, não autorizaria a omissão dos demais policiais, que foram telespectadores do arroubo acometido pelo policial. Caso o Autor realmente tivesse desrespeitado o policial Dias, este deveria tê-lo prendido em flagrante, uma vez que desacato é figura típica (artigo 331 do Código Penal). Ainda que não pudesse ter efetuado a prisão em seguida, como afirmou o policial, logo em seguida, em três viaturas, foi o Requerente abordado e prisão alguma efetuada, o que vem diminuir ainda mais as afirmações da Requerida. Não é possível se admitir, no Estado Democrático de Direito, o desrespeito ao cidadão. Configurada, ficou, a má sucedida abordagem do Autor, por vários policiais militares, que por cerca de 40 minutos assistiram, a vista de todas as pessoas que estavam presentes, na porta do baile, outro policial praticar agressões físicas e verbais contra o Autor. É completamente secundária a pretensão da Requerida, visando afastar a condenação, pelo fato de ter Autor desacatado o policial. A uma, porque isso, quando devidamente comprovado – o que não ocorreu – somente possibilitaria uma compensação de culpas. No mais, e principalmente, o Estado tem o dever de cumprir fielmente lei e em casos tais, a obrigação é exclusivamente prender o acusado, em flagrante. Não é pena (e nem mesmo é função da polícia) e não há previsão legal (implícita ou explicitamente) a atitude de se aplicar castigos a quem comete crime. Evidente, assim, a existência do dano moral. As agressões sofridas, aliadas à omissão dos demais agentes públicos que tinham o dever de agir e impedir o ato ilegal, reportam ao dever reparatório. Dessa forma, procede a indenização pelo dano moral sofrido pelo Autor. A Constituição Federal assegurou o direito à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), bem como a inviolabilidade da honra e imagem, garantindo o direito à indenização pelo dano moral decorrente dessa violação (artigo 5º, inciso X). O Código Civil faculta a possibilidade de se exigir reparação em virtude da violação do direito da personalidade (artigo 12). De igual maneira, o artigo 186 reconhece como ato ilícito a ação ou omissão, ainda que culposa, que cause um dano a outrem, ainda que estritamente moral. As provas dos autos evidenciaram o abuso cometido pelo policial Dias, em serviço, de tal forma que, sendo agente público, é dever do Estado, representado pela Requerida, indenizar o ofendido (cf. artigos 37, parágrafo 6º, da CF/88 e 43 do Código Civil). O Autor foi vítima de expediente incorreto da Requerida, que através de seus agentes, efetuaram agressões desnecessárias, visando humilhá-lo em público, além de se omitir – também através de seus agentes – em impedir a continuidade do mesmo ato. Deve, pois, ressarcir o inegável constrangimento do Autor, que sofreu abalo em sua honra, ao ser agredido em público. Isso, indubitavelmente, gera uma violação aos direitos de sua personalidade, ocasionando, assim, um dano aos atributos psíquicos e morais de quem esteja nessa situação. À Ré caberia um comportamento negativo, de não violar a honra, paz de espírito e imagem do Autor, de forma indevida, o que não ocorreu. Assim, estão comprovados de forma satisfatória todos os requisitos que indicam a responsabilização objetiva do Estado, qual seja, ação (agressões injuriosas por parte do policial militar Fernando Sílvio Dias) e omissão (dos demais integrantes de três viaturas policiais, que assistiram passivamente o ato), existência de dano experimentado (dano moral, à sua honra) e a relação de causalidade entre seu ato e o dano sofrido pelo Requerente. O artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, transformou em objetiva a responsabilidade civil do Estado, fundada no risco administrativo, buscando definir, de maneira ampla, o dever de não causar ou evitar o dano a terceiros. Assim, apenas a demonstração do nexo de causalidade entre o descumprimento do dever jurídico e o dano ocorrido, sem se indagar sobre o elemento “culpa”, determina a obrigação de reparar. Reconhecido o dano moral, cabe a fixação do quantum. O dano moral deve ser fixado de modo a ressarcir os dissabores que o Autor teve, a lesão à sua reputação e, de outro modo, ter uma função preventiva, inibindo a Ré na reiteração de conduta ilícita. Nesse ponto, pois, a pretensão do Autor se mostra demasiadamente elevada, pelo que ficou acima destacado. Portanto, analisando os fatos carreados, compatibilizando o dano com as condições das partes, condeno a Requerida em pagar ao Autor o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de dano moral. Esse dano decorre da própria ocorrência do ato ilícito, independendo de outras provas, uma vez patente a existência do nexo de causalidade entre o fato praticado pela Ré e o dano suportado pelo Autor, em razão da incontestável sensação desagradável e inoportuna em sua psique. O dano moral ocorre in re ipsa, do próprio registro do ilícito civil realizado pela Ré. Nesse sentido, “Já assentou a Corte que ‘não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam’. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil” (STJ, REsp 318.099/SP, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 06.12.2001, DJ 08.04.2002). III. Diante do exposto e tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a ação com o fim de condenar a Ré em pagar ao Autor o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de dano moral, devidamente acrescido de correção monetária pelos índices da tabela prática do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação. Em razão da sucumbência, a Ré arcará com as custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que fixo equitativamente em R$ 1.000,00 (CPC, artigo 20, parágrafo 4º), deixando consignado que a condenação em valor inferior ao pugnado na inicial não implica sucumbência recíproca (Súmula 326, C. STJ). Sem reexame necessário, na medida em que o valor da condenação não ultrapassa sessenta salários mínimos (artigo 475, parágrafo 2º, do CPC). P.R.I.C. Guaíra, 15 de dezembro de 2008. ANDERSON VALENTE Juiz de Direito.


A presente sentença fora mantida na integra pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


O processo esta disponivel para consulta no seguinte endereço: http://www.tjsp.jus.br/